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A influência indígena em nossa cultura

por | jan 3, 2018 | Áreas, Colunistas, História

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Depois de entendermos um pouco sobre o multiculturalismo e como este aspecto se desenvolveu no Brasil, vou abordar os aspectos relacionados à influência indígena, portuguesa e africana, cada um em artigo diferente.

A história do homem se confunde com a história da alimentação, pois a partilha de alimentos é característica do Homo Sapiens desde os tempos de caça e coleta, como destaca Moreira (2010). O homem, através da sua convivência social, é criador de vínculos e ritos, sendo estes mecanismos de compreensão do universo e suas particularidades. Tal contexto social e cultural pode ser aplicada a diversos campos do conhecimento, sendo que o foco neste será a alimentação, entendendo-a como um processo cultural de seleção de alimentos, preparo, apresentação e partilha. Neste sentido, Maciel (2004) afirma que muito mais que um ato biológico, a alimentação humana é um ato social e cultural, sendo que a alimentação implica representações e imaginários, envolve escolhas, classificações, símbolos que organizam as diversas visões de mundo no tempo e no espaço. Vendo a alimentação humana como um ato cultural, é possível pensá-la como um “sistema simbólico” no qual estão presentes códigos sociais que operam no estabelecimento de relações dos homens entre si e com a natureza.

Maciel (2004) esclarece a estruturação conceitual das chamadas “cozinhas como formas culturalmente estabelecidas, codificadas e reconhecidas de alimentar-se” e “uma cozinha faz parte de um sistema alimentar – ou seja, de um conjunto de elementos, produtos, técnicas, hábitos e comportamentos relativos à alimentação –, o qual inclui a culinária, que refere-se às maneiras de fazer o alimento transformando-o em comida”. Porém, pode-se definir que a alimentação refere-se a um conjunto de substâncias que uma pessoa ou um grupo costuma ingerir, implicando a produção e o consumo, técnicas e formas de aprovisionamento, de transformação e de ingestão de alimentos.

Do mesmo modo que aconteceu entre as raças, é possível perceber uma miscigenação na gastronomia, já que os povos e suas culturas são variados, afetando o modo de fazer, preparar e apresentar os alimentos. Todo este cenário é ainda afetado pela sociedade, pelas técnicas de corte e cocção, influenciados pelo clima, solo, como também pelas influências familiares, crenças, religião, entre outros fatos.  Desta maneira, uma cultura alimentar é criada e por sofrerem influências humanas, não são estáticas, adaptando-se e alterando-se constantemente, mas sem perder sua essência. E é exatamente esta essência que se busca nos dias de hoje, valorizando a base de cada cultura, reerguendo-a ao posto que lhe cabe, sendo necessário entender a sua formação e constituição.

Por isso, a alimentação não deve ser tratada de forma leviana, mas sim como uma representação social, pois há conceitos objetivos na escolha de um prato, como também conceitos subjetivos, implícitos na seleção dos alimentos, no modo de fazer, o local do consumo, com quem consumir, entre outros fatos. Parando-se para analisar as conexões culturais entre os países, poderemos perceber a troca de diversos alimentos e práticas gastronômicas, tais como o tomate, o cacau, a fritura, o café, o coco, entre outros. Se colocarmos neste caldeirão ainda as imigrações e as migrações, teremos um cenário ainda mais complexo, já que as culturas se adaptam ao novo espaço (ou são obrigadas a se adaptarem), fundando um novo contexto cultural.

Entender a alimentação como identidade cultural significa compreender suas relações não apenas em função do código cultural de uma sociedade, mas também as imbricações que envolvem espaço e território, percebendo a diversidade de grupos sociais com relação a seus hábitos, modos de produção e consumo (GANDARA, 2009).

A formação da cozinha brasileira se dá em diferentes momentos. Na etapa inicial, destaca-se a mistura entre portugueses, indígenas e africanos, sem esquecer a dominação do colonizador sobre os demais, orientando o que deveria ser mantido e o que deveria ser descartado. Posteriormente, quando o país precisou de mão de obra externa, como já explicado, inicia-se a segunda etapa, com a influência dos imigrantes que aqui se estabeleceram, momento no qual adaptaram os seus conhecimentos culinários, assim como introduziram novas técnicas e alimentos. Pode-se, ainda, citar, uma terceira etapa, motivada pelo processo de globalização, incorporando-se insumos antes destinados à algumas localidades como o peixe cru.

Concentrando-se a análise na primeira etapa, pode-se destacar que a cozinha brasileira é o resultado das influências portuguesa, negra e indígena, devendo-se, entretanto, considerar que a intensidade destas influências pode variar muito, em função da dimensão continental e da diversidade cultural. Como demonstrou-se anteriormente, em nenhuma cultura suas origens são únicas e individuais, e paradoxalmente a unidade de um povo é plural, tem múltiplos influenciadores, como explicamos acerca da formação do português e do africano. Assim, a mistura entre estas três raças, apesar de não ter ocorrido de forma homogênea, se traduziu por uma mistura de ingredientes, técnicas de cocção e hábitos alimentares, culminando na criação de novas preparações culinárias, influenciada pela fusão de culturas e costumes.

No caso específico da influência indígena, destaca-se sua expressão e base nos itens que obtinham da natureza através da caça, pesca e coleta, sendo que os alimentos consumidos variavam entre a mandioca e todos os seus subprodutos; milho; batata-doce; abóbora; feijão; palmito, dentre outros, e também em frutas como a goiaba, o abacaxi, o cajá, araçá, a banana da terra e outras tantas com as quais eles faziam sucos e bebidas fermentadas. As fontes de proteína de origem animal proviam das caças, aves, pescados de água doce e alguns insetos e larvas como o porco do mato, o macaco, o tatu, patos selvagens, pintado, pirarucu, lagartas, içás e etc. Claro que não se podia ignorar as técnicas culinárias como a utilização do moquém para o cozimento das carnes, que resultava em uma preparação culinária com um sabor entre o defumado e o grelhado, mas sem uso de sal; como também o aferventado, no que se refere aos peixes, onde se fervia o peixe com os temperos, aproveitando-se o caldo para fazer um pirão, ou seja, engrossava-se o caldo do cozimento com a farinha de mandioca. Tais preparações e métodos de cocção ainda persistem, apesar de algumas modificações e adaptações pois assim como a tecnologia, a gastronomia é dinâmica e sofre variações ao longo tempo.

Primeiros habitantes do território brasileiro, os índios se dividem em diversos povos de hábitos, costumes e línguas diferentes. Cada tribo possui sua cultura, religião, crenças e conhecimentos específicos. Os Ianomâmis, por exemplo, falam quatro línguas, já os Carajás falam apenas uma. Os Guaranis manifestam sua cultura em trabalhos em cerâmica e em rituais religiosos, enquanto os Tupis acreditam ser dominados por um ser supremo designado Monan. A diversidade cultural presente entre as culturas indígenas brasileiras é proporcional a existente hoje em todo o Brasil.

Apesar da colonização europeia ter praticamente destruído a população indígena não só fisicamente, através de guerras e escravidão, como também culturalmente, pela ação da catequese e intensa miscigenação com outras etnias, a cultura e os conhecimentos desse povo acabaram por influenciar parcialmente a língua, a culinária, o folclore e o uso de objetos, como as redes de descanso, no Brasil. Porém, as consequências da colonização foram tamanhas que, atualmente, apenas algumas nações indígenas ainda existem e conseguem manter parte da sua cultura original.

CULTURA INDÍGENA – CARACTERÍSTICAS

  • Etnia – Contribuíram para o surgimento de um indivíduo tipicamente brasileiro: o caboclo (mestiço de branco e índio);
  • Cultura – Contribuíram com o vocabulário, o qual possui inúmeros termos de origem indígena, como pindorama, anhanguera, ibirapitanga, Itamaracá, entre outros. Com o folclore, permaneceram as lendas como o curupira, o saci-pererê, o boitatá, a iara, dentre outros;
  • Culinária – Riqueza de pratos típicos como o tucupi, o tacacá (imagem destaque do artigo) e a maniçoba. Raízes como a mandioca é usada para preparar a farinha, a tapioca e o beiju. Diversos utensílios de caça e pesca, como a arapuca e o puçá.

Durante a colonização a cultura e os conhecimentos indígenas foram determinantes. Tanto que o principal destaque nesse período foi a influência indígena na chamada língua geral, uma língua derivada do Tupi-Guarani com termos da língua portuguesa que serviu de língua franca no interior do Brasil até meados do século XVIII, principalmente nas regiões de influência paulista e na região amazônica. Atualmente, o português brasileiro guarda inúmeros termos de origem indígena, especialmente derivados do Tupi-Guarani. Dentre eles estão os nomes na designação de animais e plantas nativos como o jaguar, a capivara e o ipê, e a presença muito frequente na toponímia por todo o território.

Também recebeu forte influência indígena o folclore das regiões do interior do Brasil, com os seres fantásticos como o curupira, o saci-pererê, o boitatá e a Iara. Na culinária, a herança indígena está na mandioca, na erva-mate, no açaí, na jabuticaba, nos inúmeros pescados e em pratos típicos como o pirão. Apesar desses legados terem uma boa representatividade no País, a influência indígena se faz mais forte em certas regiões brasileiras como o Norte do Brasil, em que os grupos conseguiram se manter mais distantes da primeira ação colonizadora.

Material alterado da publicação de MENDES, B.C; PERROTA, R.G.O Multiculturalismo na Gastronomia Brasileira: a influência dos imigrantes na alimentação”. Saarbrucken: Novas edicações Acadêmicas, 2016. Para a construção deste e dos demais itens sobre a influência no território brasileiro, diversos artigos foram usados, mas principalmente material disponível no Brasil Escola e no site: https://www.thecities.com.br/Artigos/Brasil/Cultura.


REFERÊNCIAS

GANDARA, J.M.G. Reflexões sobre o turismo gastronômica na perspectiva da sociedade dos sonhos. IN: PANOSSO NETO, A.; ANSARAH, M.G.R. Segmentação do mercado turístico: estudos, produtos e perspectivas. São Paulo: Manole, 2009.

MACIEL, M. E. Uma Cozinha à Brasileira. Estudos Históricos. v. 33, p.25-39, Rio de Janeiro, 2004.

MOREIRA, S.A. Alimentação e comensalidade: aspectos históricos e antropológicos. Ciência e Cultura. V. 62, n.4 São Paulo, out. 2010.


Bruna Mendes

BRUNA MENDES

Mestre em Hospitalidade, bacharel em Turismo e Licenciada em Pedagogia, mas acima de tudo, apaixonada pela cultura, turismo e gastronomia.

2 Comentários

  1. Obrigado por escrever sobre um tema cultural importante! Você escreveu: “Porém, as consequências da colonização foram tamanhas que, atualmente, apenas algumas nações indígenas ainda existem e conseguem manter parte da sua cultura original.” Gostaria de entender o que você quer dizer com a nação?

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    • Primeiramente, muito obrigada pelo seu questionamento! Quanto mais pudermos debater, mais aprenderemos sobre assuntos considerados polêmicos para muitas pessoas. Respondendo ao seu questionamento, me recordo de um ótimo texto publicado em 1993 por Alcida Rita Ramos, com um título de Nações dentro da nação (se a memória não falha). A autora inicia o seu texto exatamente questionando o uso do termo “nação indígena” – vale a leitura! Gosto do termo nação indígena pois este caracteriza e fortalece o conceito de etnia, aspecto normalmente ignorado em busca de uma homogeneidade social. A autora que destaquei acima explica que “por ser um termo politicamente fraco, etnia foi relegado ao âmbito cultural e, como instrumento de luta política na arena do contato interétnico, foi adotada a expressão “nações indígenas”. Compartilho a visão de que o termo ‘nação’ é um dos poucos instrumentos gerais que transmitem o reconhecimento de que é legítimo ser diferente (não reflete algo homogêneo, como muitos pensam, mas sim algo que se diferencia dos demais, sendo esta a perspectiva adotada no material). O que você acha? Considera nação sob outra perspectiva? Abraços!

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