Sempre gostei de lembrar, nas minhas aulas de Francês Gastronômico, que a posição que a Culinária Francesa ocupa hoje no cenário gastronômico mundial se explica, em parte pela atuação, ao longo da história, de grandes personagens. Acrescento ainda que o que temos hoje na Gastronomia Mundial está fundamentado na atuação de quatro grandes pilares.
Esses pilares seriam quatro chefs, os de maior destaque em suas épocas.
Mas afinal que chefs são esses?
O primeiro livro de receitas culinárias data do século XIV, chamava-se “Le Viandier” e seu autor o Chef Taillevent, cujo nome verdadeiro era Guillaume Tirel.
Cozinheiro do Rei Carlos VII, Taillevent tem um restaurante célebre em Paris com seu nome e cuja adega (cave) é considerada a Vitrine da Viticultura da França.
O segundo pilar, cronologicamente falando, foi Marie-Antoine Carême.
Tendo vivido entre os séculos XVIII e XIX, ele foi o primeiro a fazer uso do nome “chef” – le roi des chefs, le chefs des rois*. O primeiro representante da, hoje denominada, “Haute Cuisine”**. Ele esteve na origem das, até hoje denominadas “pièces montées”*** ou seja, as montagens com os pratos, sobre as mesas dos reis e soberanos de toda a Europa, afinal ele era o “rei dos chefs, o chef dos reis”.
Ninguém melhor para celebrar o casamento entre duas artes: a arte da gastronomia com a arquitetura.
Molhos e caldos, que conhecemos hoje, tiveram origem nas suas criações. Béchamel, velouté, entre outros.
Um século depois, aparece o criador da Culinária Francesa moderna, Auguste Escoffier. Criador das conhecidas “Brigades de cuisine” utilizadas até hoje, Escoffier ganhou o respeito de todos, transformando o trabalho do cozinheiro em uma verdadeira profissão.
O seu “Guide Culinaire”, editado pela primeira vez em 1903, com mais de cinco mil receitas, é referência até nos dias atuais.
Como resultado de suas experiências, a gastronomia antes apenas arte se transforma também em ciência, onde as quantidades das preparações se tornam menores – primórdios da “Nouvelle Cuisine”? Muito provável.
O quarto pilar ainda está entre nós – trata-se do criador da “Nouvelle Cuisine” – estou falando de Paul Bocuse.
Com menos de 40 anos ele conquista a 3ª. estrela do Guia Michelin, em 1965 e nunca mais as perdeu – fato único! O Chef Bocuse atraiu para si todos os títulos, como o de “Chef du Siècle” atribuído a ele pelo CIA ( Culinary Instituto f America) em 2011.
Precursor da Nouvelle Cuisine, Bocuse inspirou e inspira até os nossos dias, gerações inteiras de novos chefs, mundo a fora. Detentor de todas as glórias, esta celebridade mundial, continua com seu restaurante a Collonges, nos arredores de Lyon que, certamente um pouco por sua influência, é considerada a Capital Mundial da Gastronomia – Foi também em 2011 que a “Refeição Tradicional Francesa” (Repas gastronomique français) – uma instituição nacional com seus rituais e simbologias, foi inscrita como Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade pela UNESCO.
Mas a história estaria incompleta se não acrescentássemos a esses quatro pilares, um quinto elemento – uma espécie de “Cinco Salomão”****, só que diferentemente do amuleto, usado para espantar mau olhado, aqui esse quinto elemento servirá para, digamos “dar liga” a essa epopéia fantástica que é a gastronomia através dos séculos – estou falando de, outro francês, brilhante até no nome: Brillat Savarin.
Mas que personagem é esse? Nunca foi Chef e muito menos cozinheiro, mas ele simplesmente escreveu, ainda no século XIX, a obra mais importante sobre a gastronomia em toda a sua história. Estou falando de “A fisiologia do gosto”. Como alguns passaram pelo “Mai-68” ou maio de 1968, Brillat Savarin sobreviveu à Revolução Francesa, e algumas décadas depois produziu esta que é considerada a maior obra da literatura gastronômica, de todos os tempos – A fisiologia do gosto ou “uma grande aventura do desejo” conforme escreveu o filósofo Roland Barthes.
Esta obra encontra-se recheada de reflexões filosófico-gastronômicas como:
“O universo nada significa sem a vida, e tudo o que vive se alimenta” ou “Os animais se repastam; o homem come; somente o homem de espírito saber comer”.
Didático: “Os que se empanturram ou se embriagam não sabem comer nem beber”.
E por fim: “O destino das nações depende da maneira como elas se alimentam”.
Alimentar-se mais do que sobrevier é renascer, é ressurgir das cinzas, um pouco como uma França que acreditávamos vencida, desmotivada e condenada, como uma Fênix, surge da suas próprias cinzas e assim sai um Hollande cambaleante e ressurge uma Fênix, Macron.
“Vive La France, vive la République” – Charles de Gaulle.
* O rei dos chefs, o Chef dos reis.
** Alta cozinha como existe Alta Costura.
*** Peças montadas (o famoso “croquembouche” (criação do Chef Carême acima) é uma “pièce montée” de confeitaria, muito comum em casamentos).
**** Cinco Salomão – conhecido dos mágicos e gurus.
WENCESLAU AVILA
Gerente de Qualidade no Instituto Franco-Brasileiro de Gastronomia. Instituto de alta gastronomia com padrão internacional em Campinas/SP.
0 comentários