Dois utensílios e muitas culturas!
Quem nunca teve uma colher de pau em sua cozinha? Se nunca teve, ainda vai ter, ainda que seja uma “colher de pau” de silicone!
Se a colher de pau atravessou os séculos, com pequenas ou quase nenhuma alteração, é porque desde os primórdios ela preencheu uma necessidade básica de toda pessoa que se propunha a preparar um alimento no fogo.
A tecnologia avança e busca o utensílio perfeito, econômico e potente. Isto ainda não impediu a colher de pau de continuar sendo usada, com muita eficiência.
Uma colher de pau não está na parte mais nobre da cozinha, a colher de pau não tem uma estética moderna, que atraia os olhares, ela nem tem brilho, não reluz, nem barulho faz quando usada. Não obstante, nada melhor para evitar por exemplo que a cebola cortada em “brunoise” jogada na panela, venha a se queimar. A colher de pau não arranha o fundo da frigideira, não reage com a acidez dos cítricos. Algumas colheres, ainda dispõem de uma certa modernidade, quando por exemplo, apresentam uma pequena ponta em um dos lados, para alcançar os cantos da panela.
Já o fouet, que continua de maneira heroica, conservando o seu nome original, não obstante os ataques por todos os lados da invasão anglo-saxônica do mundo moderno, principalmente depois da chegada da Web e dos iPhones.
Diferentemente da colher de pau, o fouet sim, foi sendo modernizado a través dos tempos a tal ponto que Hervé This (um dos criadores da cozinha molecular) o classifica como um “maravilhoso objeto tecnológico”.
No início, o alimento era de fato “fouetté”, ou seja, batido, com um feixe de pequenas hastes o que provocava o mesmo efeito que os fouets de hoje: introduzir bolhas de ar na preparação, visando torná-la mais leve e aerada.
Por um longo tempo, assim como as varas de madeira, utilizadas em nossas fazendas de antigamente para bater o arroz, o feijão, no caso com apenas uma vara, o feixe de pequenas hastes era segurado por um lado e a outra ponta “açoitava” o alimento firmemente.
É possível imaginar o salto de tecnologia em que consistiu a mudança, quando um observador propôs de juntar as duas pontas das hastes, curvando-as, de tal modo que ambas as pontas ficassem presas na mão do cozinheiro.
Mas a evolução não parou por aí. Por um bom tempo o material do fouet não evoluiu, até que se pensou no uso de hastes de vime ou mesmo bambu, graças sobretudo, a sua flexibilidade.
Com o tempos descobriu-se que a textura do vime oferecia riscos de conservar e desenvolver micro-organismos, um pouco aliás como acontece com a madeira da colher de pau.
Foi então pensado nos fouets com fios de ferros. Isto durou pouco. O ferro apresenta o grande inconveniente de se oxidar com facilidade, enferrujando-se com rapidez. Até que chegou o material definitivo: o aço inoxidável, que além de mais flexível e resistente possui a capacidade de, como o nome mesmo diz, não se oxidar. Pronto, chegamos ao utensílio perfeito e moderno que temos nos dias atuais.
Mas como para a colher de pau, já se evoluiu para o fouet em silicone. No entanto posso garantir, pelo que já pude ver, mundo a fora que os fouets em aço inoxidável ainda reinam absolutos para dar a leveza aos nossos merengues, seja ele italiano, francês ou mesmo suíço.
Assim como aconteceu com a colher de pau, o fouet em silicone ou qualquer outra material mais moderno, ainda vai demorar para chegar em nossas cozinhas. Como para o fouet, a “colher de pau de silicone” não conseguiu conquistar nossos cozinheiros modernos.
Em tempo: a cozinha molecular do Hervé This também pediu um tempo – será que volta? Com a palavra o grande chef espanhol Ferran Adriá ou o francês Pierre Gagnaire.
Em tempo 2: O “chef do século” Paul Bocuse ao sair de um almoço, chez Pierre Gagnaire, quando lhe foi perguntado se havia gostado, respondeu: “muito bom, só não sei o que comi” – de repente poderia ter sido uma pílula maravilhosa, não é?
WENCESLAU AVILA
Gerente de Qualidade no Instituto Franco-Brasileiro de Gastronomia. Instituto de alta gastronomia com padrão internacional em Campinas/SP.
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